quarta-feira, 14 de maio de 2014

Ucrânia : dois olhares desde abaixo e à esquerda




Estas duas entrevistas realizadas em finais de abril, veem-se diferentes agora, iluminadas pelo fogo infernal de Casa dos Sindicatos de Odessa, onde - de forma planejada e calculada - alguns seres humanos foram queimados vivos por outros e mataram os sobreviventes . A miserável média oficialista falam de "responsabilidade compartilhada", enquanto o governo ucraniano declara dias de luto, sem especificar se estão incluídas as futuras vítimas.

Politicamente, a revolta de Maidan [1] revelou-se como outra coisa senão uma repetição sangrenta da Revolução Laranja, que por trás de figurantes e carnavais de simbologia rebelde escondia um vulgar roque das elites oligárquicas . A Revolução Laranja foi limpa e fotogénica; a de Maidan tem imagem de gentalhas de guerreiros medievais e cheiro de carne queimada e de merda .

Um dos entrevistados, Volodymyr Chemeris , faz apenas um par de décadas foi um dos mais conhecidos ativistas estudantis em favor da independência da Ucrânia da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Ele liderou a greve de fome de um grupo de estudantes na praça central de Kiev em 1990, com uma série de exigências políticas que resultaram na declaração de independência do país um ano depois. Ao contrário de muitos outros dissidentes e "defensores dos direitos humanos" soviéticos, ele continuou lutando contra as máfias políticas que herdaram o poder na Ucrânia do Partido Comunista. A sua evoluição política foi à inversa: ele começou a sua vida social como sendo de direita e anti-comunista e agora é uma pessoa de esquerda e um crítico lúcido do fascismo e do modelo neoliberal.

O outro entrevistado, Andriy Manchuk é meu amigo e colega de muitos anos, duma geração posterior à de Volodymyr , talvez a primeira na União Soviética que se safou de aulas marxismo-leninismo chatas e obrigatórias ministradas por professores que já não acreditavam em nada .

Estes jovens tiveram de descobrir os caminhos da esquerda pela sua conta e contra todas as correntes da época. Guiados pela estrela guevarista mais do que pelos velhos manuais soviéticos, Andriy e seus companheiros, sempre críticos com os partidos comunistas institucionais e os seus empregados oficiais, fundaram primeiro o Movimento de Juventude Che Guevara, que logo a seguir levou a uma pequena organização de esquerda independente e autónoma ucraniana, agora conhecida como "Borotba" ("luta", em ucraniano) .

Faz um pouco menos de um ano atrás, Borotba organizou no seu humilde escritório, no centro de Kiev, uma exposição da pintora Beatriz Aurora. Na hora da partilha de experiências e notícias da América Latina, ninguém dos presentes imaginou que apenas alguns meses depois, este escritório e os quadros zapatistas Beatriz seriam saqueados e destruídos pelas turbas neonazistas, e que os primeiros mártires da nossa geração da esquerda ucraniana seriam nossos irmãos e companheiros de Borotba em Odessa, queimados vivos e massacrados por bestas humanas adestradas e conduzidas pelo poder .

Enquanto escrevo estas linhas, as tropas do governo ilegítimo de Kiev, em sua tentativa frustrada de combater os grupos armados ilegítimos do sudeste do país, solicitam formalmente o apoio de outros grupos armados ilegítimos do oeste, a maioria de ultradireita.

Sabemos que nos próximos meses toda a máquina militar e toda a imprensa oficial ucraniana irá contra os pequenos grupos dos nossos companheiros de esquerda. Acusados de "separatistas" ou de "pró-Rússia " pela média dócil ao poder, são mil vezes mais pró-ucranianos do que o seu governo, presso em vender as ruínas do país ao Fundo Monetário Internacional (FMI) por um preço que iria corar Mefistófeles . Eles precisam da nossa solidariedade.

Assim quanto os ativistas sociais na América Latina há décadas necessitaram a solidariedade dos povos da União Soviética, agora a esquerda ucraniana, perseguida pelo fascismo e as calúnias da imprensa local, necessitará da solidariedade latino-americana e internacional.

Andriy Machuk é um sociólogo ucraniano. Também jornalista, cobriu conflitos na Chechénia , Ossétia do Sul, Geórgia, Kosovo, Irão, Curdistão, Líbano, Síria, Pridnestovie e Egito, fez relatórios / reportagens para a Ucrânia e a Rússia desde a África do Sul, Coreia do Norte, China, Sul e Sudeste da Ásia, Cuba, Venezuela e Equador. Ele participou da investigação do fuzilamento da manifestação operária na cidade petrolífera Zhanaozen (Cazaquistão) e o comércio de resíduos radioactivos da zona de Chernobyl.

Fundador do principal site da esquerda ucraniana, Liva.com.ua, é um dos cofundadores do projeto de cultura urbana alternativa Ghetto.in.ua.

Autor de vários livros e publicações sobre questões sociais, culturais e de direitos humanos, é um dos fundadores e líderes do movimento ucraniano de esquerda União Borotba. Mora em Kiev.

Volodymyr Chemerys é um ativista social e defensor dos direitos humanos. Na década de oitenta, foi duas vezes expulso da faculdade por "atividades anti-soviéticas ". Ele foi um dos lutadores mais ativos pela independência da Ucrânia da URSS. Nos anos noventa, ele foi presidente da União dos Estudantes da Ucrânia e membro do parlamento. Em 2000 ele foi coordenador do movimento de protesto "Ucrânia sin Kuchma".

Ele é um dos organizadores da campanha que exige reconhecimento de responsabilidade e pagamento de compensação dos Estados Unidos para a família de seu amigo, o jornalista ucraniano Taras Protsiuk, morto por um tiro de tanque dos EUA durante a invasão do Iraque. Conhecido opositor e crítico do duopólio que governou a Ucrânia nos últimos 20 anos, ele é um ativista da iniciativa ucraniana "Pelo protesto não-violento".

Ele também é fundador e presidente da organização da esquerda ucraniana "Institute República", agora aliados de "Borotba" na luta pela paz na Ucrânia. Mora em Kiev.





Que é o que aconteceu na Ucrânia, em fevereiro deste ano? Alguns meios de comunicação têm falado de golpe de Estado, isso é verdade?

ANDRIY MANCHUK

O que aconteceu foi que, em fevereiro, como resultado dos confrontos sangrentos no centro de Kiev, chegou ao poder uma coalizão de políticos de direita e neoliberais, com o apoio da União Europeia (UE) e dos Estados Unidos da América (EUA). Houve também a participação financeira dalguns oligarcas ucranianos insatisfeitos com a crescente influência da família de Yanukóvytch.

O novo governo de direita, cuja maioria de seus membros já estivera antes no poder, utilizou habilmente o descontentamento das pessoas para com as políticas anti-sociais de Yanukóvytch para continuar a mesma política a um ritmo ainda mais rápido. Para satisfazer as condições exigidas para obter empréstimos do FMI, as autoridades anunciaram um aumento das taxas sem precedentes, os preços subiram e começaram a atrasos no pagamento de salários, pensões e prestações sociais em geral.

A situação piora no Sudeste, mas as autoridades de Kiev estão comprometidas com uma solução de força e de anunciam que reprimirão os cidadãos descontentes, com o que fazem qualquer acordo impossível. Os meios de comunicação estão agora em plena histeria patriótica, a censura é claramente maior do que em tempos de Yanukóvytch, e defensores dos direitos humanos adeptos do novo regime fecham os olhos perante as perseguições políticas e a violação do direito de reunião pacífica .

Sem dúvida, este é o governo mais à direita na história da Ucrânia. A sua ideologia combina um fundamentalismo neoliberal (com a sua fé incondicional nos dogmas do mercado livre) e um nacionalismo extremo, que se tornou uma espécie de religião para a maioria dos intelectuais ucranianos. No país atuam agora abertamente vários grupos armados formados por paramilitares neonazistas. Por iniciativa do procurador-geral Mikhnitsky (próximo de Svoboda ) e passando por cima das decisões da justiça, o parlamento libertou todos os prisioneiros de extrema-direita condenados por crimes violentos, incluindo o assassinato.

Em Maidan eram pessoas de diferentes ideias e inclusive muitas pessoas honestas e sinceras, mas a direita controlou este movimento no sentido político, ideológico e organizativo. Pela correlação de forças, pelo menos para nós, do início ficou claro que eles iriam tomar o poder após a queda de Yanukóvytch.

VOLODYMYR CHEMERIS

Na Ucrânia amadureceram as contradições sociais e os ucranianos saíram para o Maidan (Praza) várias vezes: em 2000, com o movimento "A Ucrânia sin Kuchma"; em 2004, com a Revolução Laranja e em 2013, com os eventos conhecidos na média como Euromaidan .

Em tempos de movimento "Ucrânia sin Kuchma", pela primeira vez se levantou com força a questão da mudança do sistema de relações sociais, económicas e políticas; também surgiu a demanda por uma república parlamentar. Mas nem em 2001 nem em 2004 o sistema mudou no mínimo. E a cada ano aumentou o número de ações de protesto, as mais delas por demandas sociais: estudantes e pequenos empresários em 2010, professores, inválidos de Chernobyl e veteranos de Afeganistão em 2011 e os mineiros em 2013. Em verão de 2013, em uma pequena cidade chamada Vradievka, os protestos contra a crueldade da polícia foram particularmente fortes, e era evidente que a Ucrânia estava à beira de uma nova explosão social.

O que agora é conhecido como Euromaidan teve sua origem num protesto de uma parcela da classe média educada (“creative class”), devido à recusa do governo a assinar o acordo de associação com a União Europeia. Tudo começou em 21 de novembro de 2013 e na prática se esgotou até o fim de mês. As manifestações já estavam a desaparecer, mas na noite de 30 de novembro, violando a Constituição e com crueldade incomum, foram reprimidas pelas forças especiais da polícia, a Berkut, e no dia seguinte, o 1 de dezembro, vieram às ruas de Kiev várias centenas de milhares de ucranianos indignados. Mas isso já não era propriamente Euromaidan .

O fundo "Iniciativas Democráticas" indica que a exigência de uma parceria europeia foi apoiada apenas por uma minoria de manifestantes; a maioria (mais de 70 por cento), queria, em primeiro lugar, uma melhor vida na Ucrânia e a renúncia do presidente corrupto Yanukóvytch. As palavras "mudança de sistema" foram as mais populares no Maidan, mas a sua voz foi sequestrada por representantes da oposição burguesa, dous partidos liberais e um nacionalista. Foram eles precisamente que tinham recursos para impor sua agenda, enquanto a extrema-direita se dedicou a destruir os monumentos a Lenin, fazer marchas com tochas e agredir fisicamente os sindicalistas.

As pessoas que protestaram fizeram por demandas sociais e antes do mais queriam acabar com o poder dos oligarcas; mas estas reivindicações não se tornaram no Maidan. Isso aconteceu porque a esquerda está literalmente atomizada, e a sociedade civil não era forte o suficiente nem organização para resistir a avalanche de recursos económicos dos partidos. No final, os líderes da oposição política, várias vezes apupados pelo Maidan, foram os únicos a capitalizar a queda do regime de Yanukóvytch fazendo o seu governo de transição.

No leste da Ucrânia havia um protesto potencial talvez ainda mais grande do que no ocidente; na primavera de 2013, por exemplo, na região de Lugansk, os mineiros tomaram o prédio da administração mineira para exigir o cumprimento das suas demandas sociais ao conhecido oligarca oligarca Rinat Akhmetov. Mas o oriente não apoiou a rebelião Maidan: primeiro, porque ele não viu expressadas as suas demandas sociais e também porque rejeitou as ações agressivas da extrema direita. Outra razão é os operários não estarem representados: de acordo com informações da própria organização "Iniciativas Democráticas", os operários da Maidan eram apenas 7 por cento .

Após a vitória da oposição e de o novo governo ser formado pelo Partido Liberal Batkivschina e o nacionalista Svoboda, ambos estranhos para os seus interesses, o oriente revoltou-se. Nem o Maidan nem o novo governo ofereceu à Ucrânia um novo modelo social; só insistiram em um quadro ideológico rejeitado a leste e a sul. Além disso, o novo governo nomeou como governadores dos oligarcas orientais odiados pelo povo dessas regiões; também falou sobre a necessidade de "apertar os cintos" pela ameaça militar russa, em uma situação económica que já fora catastrófica, movimentando-se todo o peso deste período não ao grande capital, mas para as pessoas que participaram tanto na Maidan quanto na Anti-Maidan oriental.

Os programas sociais foram reduzidos em 7 mil milhões de hryvnias (aproximadamente US $ 875 milhões dessa data). Devido às demandas do FMI subiram os preços da energia e, por consequência, taxas de comunidade e de transporte. Atualmente, a hryvnia está em queda livre, os preços sobem e os salários e as pensões estão congeladas. Especialistas dizem que, devido aos saltos do câmbio da moeda nacional, os bancos e os especuladores ganharam cerca de três mil milhões de dólares.

Visualizando a situação deste modo, os protestos na Ucrânia oriental podem ser entendidos como uma extensão de Maidan, mas com umas exigências sociais mais definidas.

Os movimentos de protesto no oriente são tão diversos quanto eles estavam em Maidan: há apoiantes da descentralização, da federalização do país e também partidários da união com a Rússia.

O movimento pró-Rússia, antes da Maidan, não se notou na prática. Explicar o seu crescimento unicamente pela presença de provocadores enviados da Rússia (que certamente existem também), como quer fazer o governo de Kiev, é um absurdo; a causa está na política antisocial deste governo.

Há fortes semelhanças entre as posições Maidan e Anti-Maidan: descentralização, com aumento da autogestão local em vez de governadores nomeados pelo governo central, e o sentimento de ódio para com os oligarcas que têm governado Ucrânia praticamente durante todo o período independente. A diferença é que no oriente há rejeição generalizada para com o atual governo e isso só é aceite no centro e oeste do país, em grande parte com a excussa de uma ameaça imperialista russa.

A união de Maidan com Anti-Maidan em um só movimento, levando a Ucrânia para uma revolução social, é prejudicada tanto pelo governo de Kiev e os seus aliados de extrema-direita quanto pelo governo de Putin, que impõem uma agenda muito afastada do social.

Em fevereiro de 2014, o que houve na Ucrânia não foi uma mudança do sistema social (ou seja, uma revolução), mas simplesmente uma mudança dos grupos no poder. Os representantes de um clã da grande burguesia, como em 2004, alternaram mais uma vez no poder com outro clã. Mas, como é claro, as contradições sociais não desapareceram e são as mesmas que em outras ocasiões . Por várias razões (assassinato de um jornalista, eleições presidenciais, integração europeia ), levaram antes os ucranianos ao Maidan. Também é claro que isto vai continuar a acontecer até que uma verdadeira revolução termine com estas contradições.

Agora na Ucrânia é comum a paralelos históricos: em 1917 na a Rússia foi a revolução de fevereiro, seguida depois pela Revolução de Outubro; é muito provável que após o golpe de fevereiro na Ucrânia haverá uma revolução de outubro, de novembro ou de setembro ...

O que opinam do termo "Junta de Kiev", que é como na média falam do governo ucraniano, referindo-se a junta militar de Pinochet?

ANDRIY MANCHUK

Eu não utilizo esse termo. Mas depois de visitar as enormes concentrações do chamado de Anti-Maidan, entendi que este termo nasceu espontaneamente entre os manifestantes, num meio popular descontente com o poder direitista de Kiev, e agora é usado ativamente no sudeste do país. Nesta zona, muitos consideram que um governo com ministros de ultradireita, que chegaram ao poder depois de confrontos sangrentos com o envolvimento de paramilitares neonazistas e que assume uma posição absolutamente hostil para com os habitantes desta vasta região, bem pode ser chamado de "junta".

Esta designação já está enraizada, é um fato objetivo. Para mudar isso, temos de começar por rejeitar etiquetas desqualificadoras que os apoiantes da Maidan chamam agora os habitantes do sudeste de corados, toupeiras, titushkas, vatniks, etc. (Nota do Tradutor: Corado: devido a um besouro muito prejudicial para agricultura, que tem as mesmas cores da fita de São Jorge, usada para simbolizar a vitória do exército soviético sobre os nazistas. Toupeiras: pela condição de mineiros de muitos dos Anti-Maidan. Titushka: refere-se a amotinadores, muitas vezes de torcedores de futebol ou criminosos comuns, usados ​​por Yanukovich para intimidar os manifestantes da oposição. O termo faz referência a Vadim Titushka, que foi um dos primeiros desses bandidos prendidos e desmascarado por manifestantes desmascarado pelos manifestantes. Vatniks: tipo de casaco ou parka muito feio mas quente e de uso popular entre operários.)


VOLODYMYR CHEMERIS

Com efeito, a separação de Yanukóvytch do poder e a formação do novo governo em fevereiro não foi feito de acordo com a Constituição da Ucrânia, mas a situação real foi que o presidente e parte de seu governo fugiu do país. O partido do governo foi desmoralizado, o poder foi lançado e não qualqer um podia levantá-lo.

A sociedade civil, a classe média e os representantes dos diferentes grupos da Ucrânia ocidental, que representavam a maior parte de Maidan, foram incapazes de formar um novo governo. Assim, a oposição parlamentar burguesa, junto com os restos do ex-partido no poder (Partido das Regiões) foram que levantaram o poder deitado sobre as cinzas da Maidan. Naquela época simplesmente não havia possibilidade alguma de desenvolver todos os procedimentos constitucionais necessários e não havia mais ninguém para tomar o poder.

O poder atual de Kiev deve ser considerado legítimo, mas não no sentido de que fora constituído de acordo com a Constituição, mas porque mesmo que não seja querido, ele é reconhecido como poder pelas forças armadas, as autoridades locais, a maioria das organizações da sociedade civil e o Partido das Regiões agora na oposição. Por enquanto é melhor não questionar a legitimidade do governo de Kiev, pelo menos até sermos capazes de propor uma alternativa.

Qual foi o papel das potências estrangeiras na derrubada do governo de Yanukóvytch e nos acontecimentos atuais ?

ANDRIY MANCHUK

Os governos dos EUA e a UE aberta e ativamente apoiaram Maidan. Quando os manifestantes começaram a tomar edifícios administrativos, no centro da capital, fizeram lobby em Yanukovich para evitar a repressão. Também apoiaram de muito os opositores do governo com informações e finanças através de um sistema de bolsas (grants) para jornalistas e ativistas da oposição .

Embaixadores e políticos ocidentais estavam permanentemente presentes na Maidan , incluindo pessoas tão sinistras como o senador McCain dos EUA, legitimando, assim, os paramilitares de extrema direita. Depois que os neonazistas derrubarem o monumento a Lenin no centro de Kiev, construído para a Exposição de Paris de 1936, três ministros de países fora da União Europeia apoiaram publicamente este ato de vandalismo. Sem este apoio crítico não tem dúvida que Maidan não teria nenhuma possibilidade de vencer.

VOLODYMYR CHEMERIS

O governo de Yanukovich assinalou várias vezes o Maidan foi organizado por provocadores que obedeciam instruções de potências estrangeiras (provavelmente levando na conta os EUA e a União Europeia). De acordo com as leis aprovadas em 16 de Janeiro de 2014, as organizações que recebem dinheiro do exterior são consideradas "agentes estrangeiros".

O atual governo de Kiev repete agora o erro fatal de Yanukóvytch, quando declara que a rebelião no leste da Ucrânia é apenas devido à intromissão russa. Ambos, tanto Maidan quanto Anti-Maidan, tem uma origem social; nenhum Obama, Merkel ou Putin poderia fazer o que fez o povo da Ucrânia. Do Ocidente, pessoas como Nuland, Ashton, Tombinsky, Kvasnevsky e Füle pressionaram a oposição parlamentar e Yanukóvytch para a negociação e o compromisso. No final, eles conseguiram convencer Yanukóvytch para se livrar do governo de Azarov e oferecer o cargo de primeiro-ministro a Yatseniuk; ele concordou, mas o Maidan apupou-o. Manifestantes, cada vez mais radicalizados, já não permitiam qualquer acordo com Yanukóvytch.

No geral, o Ocidente sempre teve medo da anarquia das massas, e mais ainda, temia que ela fosse chefiada pelos fascistas declarados de Sbovoda ou Pravyi Sektor; é por isso que eles queriam manter Yanukóvytch na presidência fazendo primeiro-ministro a Yatseniuk .

Ocidente queria fazer este acordo. Três chanceleres europeus e um ombudsman (defensor do povo) russo na prática forçaram Yanukóvytch e três líderes da oposição parlamentar, em 21 de fevereiro, a assinar um compromisso segundo o qual seria Yanukóvytch continuaria como presidente até o fim do ano. Os opositores mesmo fizeram que a associação Maidan, controlada por eles, e uma parte de ativistas sociais, aprovasse. Mas a Maidan real também rejeitou este acordo.

A oposição burguesa simplesmente estava com medo de tomar o poder, e os ministros ocidentais queriam preservar Yanukóvytch como garantia contra a possibilidade de uma viragem social que pôde ocorrer como consequência da energia e de radicalização de Maidan. Mas o que passou, passou. Ainda que Ocidente não queria a queda final de Yanukóvytch, o atual governo resolveu-se como o melhor presente para eles. Este governo não tem o apoio da Rússia, ou do leste do país, nem, em termos reais, do oeste do país; depende inteiramente dos EUA e da UE .

Quem matou os manifestantes em Kiev?

ANDRIY MANCHUK

A versão oficial de que isso fora feito pelas forças especiais por ordem de Yanukóvytch causa ceticismo, mesmo entre vários dos partidários do novo governo e os seus protetores europeus, o que era evidente na gravação da conversa entre o ministro de defesa da Estónia e a "Baronesa" Ashton. Por sinal, os chefes das forças especiais não só não foram presos mas nem sequer demitidos e continuam a trabalhar para o novo regime.

É sabido que Yanukóvytch, durante vários meses, recusou-se a autorizar abrir fogo contra os manifestantes. Isso foi assim não por razões humanitárias, mas porque ele estava muito preocupado com a sua imagem na média internacional, pois que cadáveres nas ruas de Kiev significaria o colapso imediato do seu regime. Portanto, há várias versões sobre o tiroteio que poderia ter sido feito por apoiantes da oposição, ainda mais porque os seus representantes tinham armas e usaram-nas abertamente. É sabido que a foto que tiraram a Pashinsky, deputada do bloco de Yulia Tymoshenko que agora chefia a administração do presidente, com um rifle sniper. Mas eu não quero continuar especulando sobre o tema, o que é óbvio é que o atual governo não tem intenção de investigar esta tragédia.

VOLODYMYR CHEMERIS

É uma questão para os órgãos competentes. Os resultados da pesquisa que apresentaram o Ministério do Interior, a SBU (Serviço de Segurança da Ucrânia) e do Procuradoria Geral causam sérias dúvidas para todo o mundo na prática.

A lógica foi a seguinte: a Maidan enfraquecia, mas de repente, em 30 de novembro é reprimida e em resposta os ucranianos revoltam-se. As pessoas estão protestando na Maidan, sem qualquer resultado e desencoraja-se poucoa pouco, mas de repente, na noite entre 10 e 11 de dezembro, a de Maidan é atacada pela Berkut. Desta vez, a polícia não bateu ninguém e o seu ataque não dá resultados, mas as pessoas tem a sensação de estar na Maidan e constroem as primeiras barricadas. Então, novamente enfraquece o protesto, mas o Parlamento aprova leis de repente em 16 de janeiro que restringem fortemente os direitos dos cidadãos e em primeiro lugar, o direito de reunião; a resposta do Maidan são os coquetéis molotov. Parece que alguém propositadamente atirou achas para a fogueira. Em seguida, novamente um equilíbrio de forças ocorre, mas em 20 de fevereiro soam tiros, depois disso não há nenhuma ação por parte das autoridades; o resultado, a queda de Yanukóvytch.

Existem diferentes versões das razões subjacentes para a queda de Yanukóvytch. Uma delas assinala que na Ucrânia geralmente um presidente autoritário cumpria o papel de garante e árbitro: tinha de ser garante de tudo o que era roubado pelos oligarcas permaneceria nas suas mãos e árbitro em caso de conflito entre eles. Yanukovych não cumpriu o papel de árbitro quando as propriedades dos oligarcas começaram a ir para as mãos da sua própria família. Os oligarcas (Kolomoysky , Firtash e outros) incomodaram-se muito, foram eles que participaram no apoio e no "pulo" da Maidan.

O que é o conflito entre o governo ucraniano e Pravy Sektor ?

ANDRIY MANCHUK

Dentro da coalizão de governo há uma luta pelo poder. Mas o assassinato do sinistro paramilitar de extrema direita Muzychko e o facto de alguns paramilitares de Pravy Sektor, após um tiroteio no centro de Kiev, se mudarem para uma mansão fora da cidade, não significa que entre Pravy Sektor e o poder exista algum conflito de fundo. O líder formal de Pravy Sektor, Yarosh, orgulha-se da sua amizade e de ser compadre do chefe do SBU, Nalivaychenko, que por sua vez, é conhecido pelos seus contactos estreitos com os serviços secretos norteamericanos. Há pouco que foi visitado em Kiev pelo diretor da CIA. Não é segredo nenhum que os grupos a partir dos quais foi criado Pravy Sektor, sempre esteve sob o controle da SBU. Pravy Sektor é uma estrutura gerenciável e sob o controlo daqueles que estão agora na estrutura de poder . O que acontece é que agora simplesmente foram afastados do primeiro plano para não assustar com a sua aparência e ações a repórteres e grupos liberais simpatizantes da Maidan .

VOLODYMYR CHEMERIS

Pravyi Sektor (PS), tornou-se um partido, criado em base ao partido Assembleia Nacional Ucraniana (UNA), também chamada Auto-Defesa Nacional Ucraniana (UNSO). Este último participou ativamente da "Ucrânia sin Kuchma" e por um longo tempo nos tem visitado no escritório do Instituto República, junto com representantes de grupos de esquerda. Tivemos discussões acaloradas, mas nunca chegamos à agressão física. Entre Svoboda e PS, onde para além de UNSO entra o grupo "Trizub" (Tridente) com o seu líder Yarosh e outros grupos de extrema direita, não há diferença ideológica alguma, mas sim há diferenças nas questões táticas e, mais importante, os ódios pessoais. O PS foi formada em Maidan como uma alternativa a Svoboda. A crescente popularidade do PS, depois dos seus ataques com coquetéis Molotov em 19 de janeiro sem ter resposta da polícia (antes foram chamados provocadores) fez com que agora se tornasse uma ameaça eleitoral séria para Svoboda .

Svoboda é atualmente parte do governo; o seu representante é o fiscal nacional provisório. Precisamente, foi este fiscal, Makhnitsky, quem junto com o ministro do Interior Avakov foi acusado pelo PS de organizar o assassinato do seu representante mais proeminente, Sashko Bilyi. Mas a concorrência entre PS e Svoboda será apenas para os eleitores da extrema-direita. Há que ter na mente que o atual governo ucraniano não está interessado na existência de um grupo armado que continue a assustar os habitantes de Kiev, disparando ocasionalmente com os seus fuzis Kalashnikov no centro da cidade e invadindo o Parlamento para impor as suas demandas .

O que se importa são duas coisas: que o PS está sob o controlo das forças de segurança SBU (o chefe do PS, Yarosh, foi assistente do diretor do SBU Nalivaychenko ) e é financiado pelo oligarca judeu Kolomoysky, que também financia Svoboda .

Onde é que está a esquerda da Ucrânia ?

ANDRIY MANCHUK

A esquerda ucraniana não existe como movimento e foi esse um dos principais motivos para que a oposição de direita não tivesse problemas para instrumentalizar segundo os seus interesses o descontentamento social, usando as mãos para tomar o poder .

Ser de esquerda na Ucrânia não é fácil, porque nos últimos 20 anos na consciência social do país tem dominado a propaganda anticomunista combinada com uma glorificação do nacionalismo. A ideologia de esquerda tem sido demonizada, de mil maneiras, apresentada como alguma coisa de estranho ao povo ucraniano e mais ainda, como a ideologia do inimigo, esses bandidos que supostamente planejaram a eliminação física dos ucranianos como povo. Uma geração inteira de intelectuais cresceu com mitos históricos de direita e dogmas anticomunistas.

Mas esta situação não empurrou a esquerda ucraniana para se unir, embora há vários anos que ficou claro que a extrema-direita iria tomar o poder. Isso ficou claro, principalmente, depois dos grandes sucessos eleitorais de Svoboda, com quem se aliaram partidos liberais. As tentativas de organizar um movimento político mais ou menos influente ou maciço falharam, não pelas ações da polícia política que nos dias de Yanukóvytch era corrupta e fraca, mas pelo infantilismo, impotência política e bobas lutas interiores da esquerda. Apesar das palavras de ordem habituais de unidade e solidariedade, sempre se acabavam impondo mesquinhas lutas setárias. Parte da esquerda finalmente abandonou a ideia da organização política e a luta pelo poder, autoexcluindo-se do processo político. Os eventos em Maidan evidenciaram a crise da esquerda.

Pequenos grupos de anarquistas tornaram-se de facto em ajudantes inconscientes da direita e da extrema direita, forças predominantes de Maidan, ajudando-os a tomar o poder. Além disso, estes grupos foram influenciados pela histeria patriótica e polo racismo sociais, desprezando os habitantes do Sudeste, por vezes, até mais do que alguns ativistas de direita.

Borotba, uma organização de esquerda, depois de que bandidos de direita destruissem em janeiro o seu escritório em Kiev, mudou o seu principal trabalho para Kharkov, Mariupol, Odessa e outras cidades em que se movimentou o movimento de resistência maciço contra poder central. Nas "Maidans" dessas cidades, a esquerda sim que pode sair com as suas bandeiras e a sua agenda, concorrendo com sucesso com outras forças políticas. Acreditamos que, depois da crise que inevitavelmente acontecerá nos próximos meses, a esquerda terá a oportunidade de liderar estes protestos, que têm uma forte agenda social e serão muitas vezes mais fortes.

VOLODYMYR CHEMERIS

A esquerda extra-parlamentar ucraniana veio para os eventos do final de 2013 numa situação de absoluta divisão, praticamente atomizada. Tudo o que fizeram pequenos e marginais grupinhos de esquerda era lutar os uns contra os outros e discutir temas como trotskismo e anarco-sindicalismo, ou seja, as coisas em que a sociedade não se interessa no mínimo. Todas as tentativas de unir grupos de esquerda sobre uma base federativa, como no caso do grego SYRIZA grega falharam. Isso explica o papel marginal que tiveram em Maidan. Ativistas sindicais da esquerda, os irmãos Levin, foram espancados em Maidan em 4 de dezembro por ativistas de ultradireitistas de Svoboda. A tentativa de organizar uma "centúria" anarquista em Maidan também fracasou pela violenta oposição da extrema direita. (manifestantes de Maidan organizavam-se em grupos de 100. Nota do tradutor )

Mas a esquerda e conseguiu produzir pelo menos 10 pontos de acordos básicos, que no fundo eram basicamente as demandas sociais das pessoas que vieram para Maidan. Essas demandas foram apoiadas pelos manifestantes, mas nunca se tornaram demandas oficiais da oposição burguesa que chefiou Maidan.

A associação da esquerda Borotba participa agora ativamente no Anti-Maidan e tem uma grande influência nos protestos em Kharkov, a segunda cidade da Ucrânia. Borotba não quer a unificação do leste da Ucrânia com a Rússia, mas exige uma estrutura federal para o país. Também foi declarada abertamente inimiga do governo oligárquico de Kiev.

Como é o Partido Comunista da Ucrânia e qual a posição dos seus líderes e as suas bases?

ANDRIY MANCHUK

O Partido Comunista da Ucrânia é, na verdade, o Partido Conservador de Petro Symonenko, quem privatizou esta popular marca política há 20 anos. Em 90, este partido foi a principal força de oposição no país e teve enorme influência e apoio popular real, mas Symonenko expulsou todos os ativistas honestos que incomodavam o seu negócio político com Tymoshenko, Yanukóvytch e Putin. Desde então, o partido "comunista pelo nome", adotou a ideologia do clerical-patriotismo russo. Depois de Maidan, os seus escritórios em Kiev e em todo o ocidente foram tomados por neonazistas, que queimaram as suas bandeiras, símbolos de esquerda e livros. A cúpula do partido fugiu do país e as suas bases foram agredidas; ainda que os líderes voltaram, parte dos militantes, desmoralizados e desiludidos, continuam deixando o partido.

VOLODYMYR CHEMERIS

Desde o início de Maidan, o Partido Comunista da Ucrânia apoiou o governo Yanukóvytch-Azarov ... e em geral, com os seus votos no parlamento sempre apoiaram o governante Partido das Regiões, que representava os interesses do grande capital no leste da Ucrânia. Só muito de vez em quando votava contra algumas das mais sinistras iniciativas de mercado do governo, como a reforma do sistema de pensões e do código do trabalho. Devido a essa posição, o Partido Comunista ganhou várias "recompensas" do poder, tais como posições de elevados funcionários e apoiando as suas empresas, por exemplo para a família Kaletnikov . Muitos deixaram de considerar o Partido Comunista um partido de esquerda ...

Após a queda do governo de Yanukovich, muitos escritórios do partido foram tomados, a extrema direita começou a exigir sua proibição e iniciou-se um êxodo em massa da sua base militante. No entanto, o partido manteve a sua influência nas regiões orientais e agora apoia activamente o Anti-Maidan. Sem dúvida, eles vão ter uma participação no novo parlamento com os votos do leste.

Segundo tudo parece indicar, o Partido Comunista, como o Partido das Regiões serão integrados no sistema político pós-Maidan e o novo governo de Kiev precisa da colaboração do Partido das Regiões (agora totalmente controlado pelos oligarcas de Donetsk Akhmetov) e do Partido Comunista; sem eles o atual governo não conseguiria pacificar o oriente, nem reunir o número necessário de votos no parlamento.

O que aconteceu na Crimeia ?

ANDRIY MANCHUK

Durante os 23 anos de independência da Ucrânia, os habitantes da Crimeia não receberam de Kiev nada para além da sua política anti-social combinada com retórica nacionalista. Até mesmo vários representantes da intelectualidade de Kiev, como os escritores Andrukhovich e Shkliar, chamavam abertamente para retornar a Crimeia para a Rússia por ela ser uma região "insuficientemente ucraniana".

Imediatamente depois dos acontecimentos sangrentos em Kiev, no centro da capital da Crimeia, Simferopo , houve confrontos entre os nacionalistas pró-Rússia e os proucranianos, que causaram pelo menos duas vítimas; isso causou um forte impacto na população. Depois disso, os habitantes da península temiam represálias da extrema direita de Kiev, que mostrou as suas armas e prometeu enviar para a Crimeia "combóios de amizade". Putin habilmente aproveitou esta situação para tomar a península sob seu controlo. Na verdade, uma parte da verdade era que na Crimeia havia uma ocupação armada da Rússia; a outra parte foi que a grande maioria da população a apoiou passivamente com a esperança de as autoridades Putin garantirem a ordem e elevarem o seu nível de vida. Durante todo o tempo em que as autoridades ucranianas governaram a Crimeia herdada da URSS, não fizeram nada para conquistar a simpatia mínima dos seus habitantes; pelo contrário, todas as ações de Kiev pareciam destinadas a empurrá-los para os braços da Rússia. Com tudo isso, muitos da Crimeia não têm muitas ilusões sobre a "estabilidade" de Putin, mas, em relação ao regime de Kiev, parece preferível.

Os eventos em Kiev tornaram-se uma catástrofe para a esquerda da Ucrânia, pois que o atual governo tem todos os problemas como o resultado de provocações da parte de inimigos externos einternos, acusados ​​de serem agentes pró-russos todos os oponentes do seu regime.

VOLODYMYR CHEMERIS

Os eventos na Crimeia assemelham-se muito aos do oriente, com a diferença de que os sentimentos pró-Rússia na Criméia tem sido muito mais forte do que em Donetsk. A tendência pró-Rússia na Crimeia já existe há décadas, mas antes do triunfo da Maidan apenas era expressa no contexto da vida quotidiana. Quando os ultradireitistas começaram a destruir os monumentos de Lenin perto de Kerch (uma cidade vizinha à Crimeia) e os da Crimeia estavam assustados de ver pessoas armadas no Maidan de Kiev, apoiaram entusiasticamente os "homenzinhos verdes" que tomaram o edifício do parlamento Criméia, em Simferopol . (O termo "homenzinhos verdes " tem sido popularmente usada para se referir ao militares russos na Crimeia, com uniformes sem identificação . Nota do tradutor).

Não se importavam se eram soldados russos ou " auto-defesas". Sem dúvida, a maior parte da Criméia, em que predominam russos étnicos, votaram no "referendo" para a unificação com a Rússia. Mas há outra coisa importante: a população nativa de tártaros da Crimeia, boicotou o referendo. Eles haviam sido expulsos de sua terra natal pelo regime de Stalin, suas casas foram ocupadas por imigrantes que vieram da Rússia e só poderiam retornar após a desintegração da URSS. Atualmente, são 300.000 entre dois milhões de habitantes. Ou seja, eles são uma minoria. Há um direito das nações à autodeterminação, reconhecido pela comunidade internacional, que foi invocada pelos povos da Abcásia e da Ossétia. Mas não há direito de autodeterminação dos territórios e não há uma nação "Criméia" ou "de Pridniestrovia" (Transnístria), que pudessem "autodeterminar-se". O direito de autodeterminação na Criméia é responsabilidade somente dos seus povos indígenas, os tártaros, que esmagadoramente insistem em que a Crimeia é parte da Ucrânia .

O que acontece hoje no sudeste ?

ANDRIY MANCHUK

O que acontece é que eles começou a haver protestos em massa de pessoas descontentes pela política do novo regime de Kiev com as suas medidas anti-sociais e o seu nacionalismo ultrajante, com uma hostilidade clara para com os habitantes de língua russa da região. A queda do Partido das Regiões, que antes bloqueava qualquer ativismo político também ajudou nesse processo. A composição dos participantes nos protestos é muito diversificada: há ativistas pró-russos que estão em conflito permanente os uns com os outros e há muitos cidadãos auto-organizados que não pertencem a grupo político nenhum, mas saem à rua porque não concordam com aqueles que agora governam o país. Sobre esta autoorganização estão falando agora todos os observadores objetivos, dado que derruba os mitos classistas sobre a "gentalha oriental passiva" que predominam entre os partidários de Maidan de Kiev. Criaram-se milícias armadas, em sua maioria de militares aposentados e veteranos do Afeganistão. Rússia certamente apoia este movimento, mas as afirmações de que ele foi criando por agentes russos e quem são líderes dos manifestantes, são definitivamente falsas.

Os novos governantes do país enviaram tropas contra o povo da região oriental, mas os habitantes de Khramatorsk desarmaram os soldados do esquadrão de elite de pára-quedistas e mesmo tomaram parte das suas equipes. Simples camponeses, literalmente "caçavam" tanques nos seus velhos carros e quadriciclos antigos, nada semelhante acontecia desde os dias de Makhno (Nestor Makhno, anarquista ucraniano herói revolucionário da guerra civil do início do século passado. Nota do tradutor). Os soldados recusaram-se a atirar as pessoas para defender os seus chefes e os políticos os tinham enviado. Na região ocorrem confrontos esporádicos entre paramilitares chegaram de Kiev e autodefesas locais.

A libertação de todos os presos políticos, a federalização com amplos direitos de auto-governo local e o status oficial para o idioma russo iriam ajudar a resolver esta crise. No entanto, as autoridades de Kiev não estão dispostas a aceitá-la e optam pela força, o que já levou o país para uma situação quase de guerra civil.

Que interesses representa o governo ucraniano ?

ANDRIY MANCHUK

Mesmo os seus partidários, do jornal Ukrainska Pravda, chamam-no "governo de oligarcas": "É digno de nota que pelo de agora o Conselho de Ministros não tenha preparado nem uma única iniciativa exigindo pagamentos doss oligarcas, embora o poder tem o potencial de aumentar receitas orçamentais, sem aumentar a carga fiscal sobre as pessoas comuns. Por exemplo, a Ucrânia tem os rendimentos mais baixos (aqui é chamado pagamentos) pela utilização do subsolo para a mineração. Eles são muitas vezes menores do que na Rússia, e muito menos do que na Europa. Mas o aumento do pagamento pelo uso do subsolo é um fardo fiscal para os oligarcas e que seria inaceitável para o poder. Os projetos de leis impopulares propostas são uma resposta clara à pergunta sobre quem venceu na Ucrânia, como resultado da revolução. Se o governo anterior era "familiar ", o atual merece o título de "oligárquico" .

Depois da tomada do poder, as novas autoridades entregaram o sudeste aos oligarcas Kolomoisky e Taruta, nomeando governadores oligarcas. Além disso, o governo atualmente segura o seu apoio corrupto às estruturas comerciais de Kolomoisky a quem chamam abertamente "o principal beneficiado da Maidan de Kiev". Em troca disso, o oligarca reprimiu violentamente as manifestações da oposição em Dnepropetrovsk, armando grupos paramilitares de direita. O novo governo, é claro, também representa os interesses de seus protetores estrangeiros, dos que depende inteiramente.

VOLODYMYR CHEMERIS

Este regime é apenas um "governo laranja" do período 2005-2010 um pouco rejuvenescido (refere-se à "Revolução Laranja" que em 2005 desabilitou uma vitória eleitoral fraudulenta do pró-russo Yanukóvytch e levou ao poder o candidato pró-ocidental Victor Yushchenko, ambos de direita. Nota do tradutor) . Como os seus predecessores, este governo trabalha nos interesses do grande capital e os oligarcas, que no final de 2013 se juntaram contra a família Yanukóvytch e agora buscam controlar toda a vida económica e política da Ucrânia. Em março, o principal beneficiário das mudanças parecia ser o oligarca Dmitri Firtash, mas a sua repentina prisão em Viena por demanda dos EUA, abriu o caminho para Igor Kolomoisky, que agora controla ministérios-chave e fez uma aliança estratégica com o vencedor mais provável das eleições presidenciais de 25 de maio, o oligarca Petro Poroshenko .

Qual é a política de Putin para a Ucrânia?

ANDRIY MANCHUK

Como o governo de Kiev, Putin usou a guerra para unir por meio da propaganda patriótica a sociedade russa e desacreditar a oposição como uma "quinta coluna" do inimigo estrangeiro. Em Moscovo estão esperando para ver até que ponto se vai desestabilizar Ucrânia, devido à crise social e económica em que se mergulha abruptamente e preparar-se para a futura luta política com a União Europeia e os EUA que são quem agora ditam a política externa de Kiev. Ou seja, é uma luta imperialista pelo controle da Ucrânia.

VOLODYMYR CHEMERIS

Acho que Putin imaginou-se a si próprio como o "reunificador das terras russas" ou talvez como uma reencarnação do imperador Pedro o Grande. Eu não acho que agora se trate duma anexação da Ucrânia para a Rússia senão, mais bem, o plano de Putin consiste em tornar a Ucrânia num Estado estruturado como uma confederação, controlada pola Rússia.

Qual é o papel dos países em crise têm OTAN?

ANDRIY MANCHUK

As autoridades ucranianas declararam abertamente a sua intenção de aderir à OTAN, embora essa ideia nunca teve o apoio da população. A própria OTAN até agora tem -se limitado a fornecer ajuda técnico-militar e a fazer declarações contra a intervenção russa, o que é claramente uma hipocrisia da parte daqueles que sempre organizaram invasões e guerras ao redor do planeta .

VOLODYMYR CHEMERIS

É mínima. Em algum momento, os EUA e outros membros da OTAN, protegeram com as suas forças Kuwait e Bósnia, Estados não membros. Mas agora não há um grau semelhante de envolvimento para proteger a Ucrânia da agressão russa. Os países ocidentais só expressam "uma profunda preocupação" e aplicam sanções económicas irrelevantes contra a Rússia. É evidente que a OTAN tem medo de desencadear uma terceira guerra mundial .

Um grande problema para a Ucrânia é que por causa dessa expansão da Rússia há mais cada vez mais e mais pessoas aqui que insistem na entrada do país no bloco militar da OTAN sem pensar nas muitas consequências negativas que isso teria .

O que você acha do apoio de uma parte dos governos progressistas da América Latina para a posição da Rússia em relação à Ucrânia ?

ANDRIY MANCHUK

Eu esteve na América Latina e sei que muitos lá ainda veem na Rússia capitalista uma herdeira da URSS, considerando Putin um estadista progressista e oponente de Washington. Nisto há também razões práticas: Putin mantém uma cooperação militar e económica com os governos latino-americanos que se opõem ao governo dos EUA. Considerando que o apoio aberto à Maidan da parte dos EUA, que é conhecido pelo seu imperialismo muito de perto pelos latino-americanos, seria difícil esperar de Correa ou de Maduro um apoio do governo que surgiu desse processo. Além disso, muitos ativistas Maidan apoiam diretamente a oposição venezuelana e a luta contra o que eles chamam "a tirania chavista". Como observou ironicamente nosso colega o sociólogo ucraniano Vladimir Ischenko, até os anarquistas ucranianos criticam Maduro com mais força que aos próprios ministros de direita de Kiev.

VOLODYMYR CHEMERIS

Podemos entendê-lo. Tal e como para a Ucrânia o agressor é a Rússia, para a Venezuela e o Equador são os EUA. Se o nosso país conta com a ajuda dos EUA contra a Rússia na América Latina, conta com a ajuda da Rússia contra os EUA .

Qual é o papel que está a ter a imprensa cobrindo acontecimentos na Ucrânia ?

ANDRIY MANCHUK

Os principais meios ucranianos inicialmente apoiaram fortemente oa manifestantes de Maidan. Esse apoio foi absolutamente acrítico, problemas como a hegemonia da extrema direita e a violência que se exercia eram silenciados enquanto os adversários a Maidan eram foram demonizados. Isso criou uma imagem idealizada de Maidan para o consumo dos meios internacionais; a imprensa liberal ucraniana tornou-se a sua portavoz e propagandista, mostrando tão pouca objetividade quanto os programas da televisão estatal russa para a Ucrânia. Eles são os meios de comunicação que estão alimentando na sociedade uma histeria chauvinista e um racismo social sobre os habitantes do sudeste. Não há equilíbrio algum na posição dos meios de comunicação; ainda mais, a censura e autocensura estão a crescer, enquanto os partidários do novo governo perseguem jornalistas críticos, chamando para lhes tirar o direito de exercer a profissão e prendê-los como traidores. Alguns dos jornalistas dissidentes já foram agredidos fisicamente e presos, enquanto os defensores dos direitos humanos em tempos de Yanukóvytch chamavam para defender os direitos da imprensa hoje desviam o olhar. Os "padrões duplos" sobre os "nossos" e os "outros" tornaram-se o principal paradigma dos meios ucranianos .

VOLODYMYR CHEMERIS

Em ambos os lados há uma guerra de informação. Na Rússia, os meios obedecem ordens do governo; o mesmo ocorre na Ucrânia, em que os meios de comunicação principalmente cumprem as ordens dos seus proprietários oligarcas. Uma informação objetiva ou opinião diferente não se vê em qualquer dos dois países. De um lado, ouvimos que os fascistas tomaram o poder em Kiev e batem em todos os russos e do outro, que os separatistas bêbados estão aterrorizando o leste. Ambos são mentiras.

Quais são as possíveis variantes do desenvolvimento dos acontecimentos e os seus riscos?

ANDRIY Manchuk

De acordo com nossas previsões, durante o ano, o país terá um colapso económico e social generalizado: as autoridades não têm maneira de suster os orçamentos e os pagamentos correspondentes; as condições do empréstimo do FMI vão gerar um crescimento catastrófico de tarifas para o gás, a electricidade e significarão o fim dos benefícios sociais para os grupos vulneráveis; tudo isso junto com a inflação, atrasos salariais e um aumento geral nos preços da gasolina e produtos de primeira necessidade. Certamente isso pode levar a uma grande explosão social, multiplicado por protestos civis no sudeste. O regime vai tentar suprimi-los pela força utilizando os grupos paramilitares de direita legalizados como Guarda Nacional, mas não terá força bastante para acabar com um movimento de protesto que é realmente enorme. É por isso que haverá uma oportunidade para a esquerda ucraniana, desde que esta esquerda consiga organizar-se e ganhar prestígio dentro do movimento de resistência.

VOLODYMYR CHEMERIS

Atualmente fazer previsões é o mesmo que adivinhar olhando as borras numa xícara de café. No curto prazo, muito vai depender de como se celebre o 9 de maio, o dia em que os países da ex-URSS celebram o "Dia da Vitória " sobre a Alemanha fascista. Esse dia podemos esperar manifestações de massa no leste, a tomada de prédios administrativos e até mesmo atos terroristas. O que teremos como resultado? Qualquer invasão russa? Será a queda do governo de Kiev? Qualquer declaração de um "estado de sítio" que se resolva na anulação das eleições de 25 de maio? Ou ainda, que o governo resistirá, Putin não vai intervir e as eleições serão realizadas de qualquer maneira? Qualquer cenário é possível.

Existe alguma solução para a situação atual?

ANDRIY MANCHUK

O país, ao igual que dantes e ainda mais do que dantes, precisa de uma força política de esquerda influente, que possa contrapor-se ao novo regime e os nacionalistas pró-russos e os simpatizantes de Yanukóvytch. Enquanto não houver essa força, o protesto popular e mais uma vez será instrumentalizado pelos proprietários anteriores ou atuais do país na sua luta pelo controle da Ucrânia. Para isso, esquerdistas e verdadeiros democratas, apesar de suas posições pessoais sobre o Maidan, devem unir-se e trabalhar juntos.

VOLODYMYR CHEMERIS

A Ucrânia foi e continua a ser um país controlado pelos oligarcas. Foi justamente contra eles que se revoltaram ocidente (Maidan) e leste (Anti-Maidan). Uma solução de força (ocidente vence oriente ou vice- versa), não é possível. A única coisa que pode unir o oriente com o ocidente é uma agenda social ou parafraseando os clássicos "a eliminação da oligarquia como uma classe". Mas é claro que o atual governo da Ucrânia não vai fazê-lo, simplesmente por causa de sua origem social. Isso só poderiam fazê-lo apenas as forças "de baixo" do Ocidente e do Oriente juntas. Mas ainda não vejo que elas possam participar, pelo menos pelo de agora. Eu tenho a impressão de que a pessoas iguais alguem lhes colocou nas mãos bandeiras diferentes e disse-lhe: lutem. Esta guerra civil já foi tão longe que fazer as pazes tempo vai demorar .

Como pode o povo de outros países para o povo da Ucrânia ?

ANDRIY MANCHUK

Estes dias temos grande apoio internacional, o que é muito importante para a esquerda ucraniana. Definitivamente, a coisa mais importante agora é ajudar as pessoas dos nossos países para esclarecer melhor o que acontece em nosso país e para obter informações objectivas sobre estes acontecimentos, não distorcidos pelos "espelhos curvos" dos meios de comunicação oficiais . Ambas as experiências positivas e negativas dos protestos na Ucrânia são muito importantes pois que amanhã todo isto pode ser replicado em outras regiões do mundo, incluindo a América Latina.

VOLODYMYR CHEMERIS

Uma vez o Subcomandante Marcos respondeu aos europeus que lá chegaram a Chiapas ajudar os zapatistas, mais ou menos da seguinte maneira: a única maneira de ajudar é se vocês, quando retornarem para seus países, fizerem lá uma revolução.

O que você diria para as famílias dos mortos no Maidan ?

ANDRIY MANCHUK

Eu conheço algumas delas. Havia um colega e conhecido meu . Eu também ouviu os familiares da pessoa que foi assassinado a tiros em março pela extrema direita no centro de Kharkov. Eu acho que aqueles que perderam seus seres queridos não precisam das nossas palavras solenes e ainda menos de especulações políticas sem vergonha em seu nome. Devemos estar cientes desta tragédia tirando conclusões e parar a escalada da violência, a fim de acabar com a guerra civil que realmente já está a começar na Ucrânia.

VOLODYMYR CHEMERIS

Não há nada a dizer, palavras não ajudam ninguém. Em 18 de janeiro, quando os confrontos começaram em Grushievsky na rua eu tentei detê-los. É claro, não funcionou. Eu pensei e continuo a pensar que a violência não tinha justificação. Mas encontrei muitos conhecidos, dos tempos de "Ucrânia sin Kuchma", e então entendi que aqueles que atiravam coquetéis molotov contra a polícia não eram "provocadores". Eles agiram de um profundo desespero e realmente acreditavam que agiam corretamente. É aí que se iniciou uma espiral de violência, desconhecido na Ucrânia até esse momento, o que tem causado vítimas tanto entre os manifestantes quanto entre as forças da ordem.

Agora, muitos participantes Maidan fazem-se a pergunta sobre o que mudou na Ucrânia após a Maidan: 100 pessoas morreram; Criméia foi perdida; não se sabe o que vai acontecer com o oriente; o sistema não mudou; os "laranjos" tornaram ao poder; os oligarcas sentem-se com plena liberdade; os preços sobem assim quanto as taxas dos serviços comunitários e de transporte; programas sociais são reduzidos ... Foi para isso a Maidan? Foi para isso que as pessoas morreram?

Eu não tenho nada a dizer para as famílias dos mortos, mas quero que essas mortes não sejam vão. E este "não-em-vão" só é possível se a Ucrânia consegue uma revolução social.

@ OlegYasinsky

yasinsky.oleg @ gmail.com


11 de maio 2014

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[1] Maidan: http://pt.wikipedia.org/wiki/Euromaidan


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